200 anos da morte de frei Caneca
Hoje, dia 13 de janeiro de 2025, comemoramos os 200 anos da morte de frei Caneca: carmelita , professor, jornalista , libertário, humanista , poeta, revolucionário… Conheçamos um pouco mais da sua história a partir de um artigo escrito pelo historiador Frei Cristiano Garcia, O.Carm., e a professora Maria de Fátima Batista Costa1.
Joaquim da Silva Rabelo nasceu na cidade do Recife no dia 20 de agosto de 1779.
Vinha de uma família pobre que morava na Freguesia de São Pedro Gonçalves, nos arredores do Recife velho. Era filho de Domingos da Silva Rabelo e Francisca Maria Alexandrina de Siqueira. Para o sustento da família seu pai tinha o ofício de tanoeiro, ou seja, fabricante de canecas. O humilde ofício do pai vai ser tomado pelo filho, como o nome que o reconheceria na história: Caneca. Foi seguindo os passos do pai, muito religioso e devoto de Nossa Senhora do Carmo, frequentador assíduo da Igreja dos carmelitas no centro do Recife, que o menino Joaquim, com a idade de 16 anos, decide ingressar para vida religiosa, tomando hábito carmelita em 8 de outubro de 1896. A partir de então o jovem frade tomou o nome de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca.
Muito jovem, demonstrou grande interesse pelos estudos destacando-se pela sua erudição. Conta-nos Pereira da Costa (1982:496) que ele foi ordenado extraordinariamente aos 22 anos de idade em 1801, o que precisou da autorização do núncio apostólico de Portugal. Em 1803, já era chamado pelos seus superiores para assumir o cargo de professor de retórica e geometria.
As ordens religiosas no século XVIII e XIX necessitavam de religiosos doutos que
assumissem a docência formação dos novos religiosos. Isso contribuiu para que Caneca pudesse se dedicar aos estudos com a devida autorização de seus superiores.
Na vida religiosa, assumiu o cargo de professor, secretário provincial e conselheiro; mas é no campo da política que Frei Caneca vai se destacar. O inicio oficial da sua vida revolucionária acontece em um período de muitos conflitos na Província de Pernambuco: vivia-se Revolução Pernambucana de 1817, um acontecimento memorável, que decretou uma independência que durou apenas 75 dias, com uma estrutura de governo provisório na qual Frei Caneca se torna um dos principais lideres e pensadores. Inflamado pelos ideais da Revolução Francesa, os revolucionários implantam a independência do jugo da metrópole portuguesa. Caneca é escolhido para ser secretário do governo provisório, cargo esse que lhe foi confiado pela sua erudição e desejo de liberdade.
De acordo com Muniz Tavares em sua celebre obra sobre a Revolução Pernambucana de 1817, a escolha de Frei Caneca como conselheiro da tropa revolucionária acontece da seguinte forma:
(…) encaminhou-se também o chefe acompanhado de dois religiosos
carmelitas, Frei Joaquim do Amor Divino e Frei José Maria Brayner,
ambos excelentes patriotas, sobressaindo o primeiro ao segundo pelos seus conhecimentos de literatura e particularmente de
matemática, requisitos, que habilitavam a exercer o posto de
conselheiro, tanto que o Brayner servia de secretário, e capelão.
(2017:350)
É no movimento de 1817 que Caneca, pela primeira vez, põe em prática seu pensamento libertário, fazendo dele uma práxis, ou seja, uma ação para a transformação da realidade de opressão de seu povo.
A Revolução Pernambucana teve a participação de diversos religiosos que juntos a grupos de intelectuais que fundamentava sua luta nas teorias iluministas. Foi tão forte a participação do clero no movimento republicano de 1817, que a dita revolução é conhecida por muitos historiadores como Revolução dos Padres, pois participaram cerca de “70 padres e 10 frades”(RIOS, 1983:35). Não é à toa que Frei Caneca participa ativamente da revolução, compartilhando os mesmos ideais libertários com outro frade carmelita, Frei José Maria Brayner. Eles são apenas uns dos tantos religiosos que envolvidos na Revolução, “realizaram uma verdadeira leitura e interpretação cristãs das teorias iluministas” (TITO, 2017: 25).
Mas a tão desejada liberdade do jugo da metrópole portuguesa chega ao fim. O movimento revolucionário de 1817 é dissolvido, e seus principais líderes presos e condenados à morte. Aconteceu uma forte atitude de represália a todos que participavam do movimento, por ordem do então príncipe regente, D. João VI, que estava no Brasil desde 1808, fugido das tropas de Napoleão Bonaparte. O movimento representava uma grande ameaça à Coroa Portuguesa.
Os patriotas2 que não morreram durante os combates com as tropas reais, foram, alguns, imediatamente condenados à morte e outros levados em terríveis condições para Salvador. Na prisão baiana ficaram sob a jurisdição do Conde dos Arcos, que era conhecido pelos seus terríveis métodos de tortura. Entre os prisioneiros estava Frei Caneca.
Em 1820, acontece em Portugal a Revolução Liberal do Porto, movimento que obrigou o imediato retorno de D. João VI e toda corte para Portugal e fez com que o rei assinasse a Constituição liberal portuguesa de 1821. Após o retorno da corte portuguesa para a Europa, os revolucionários de 1817, depois de quatro anos nos cárceres baianos foram anistiados. Frei Caneca com outros patriotas retornam para Pernambuco, onde são recebidos com grande festa pelo povo pernambucano, tendo direito até a um solene Te-Deum na Igreja Matriz de Santíssimo Sacramento de Santo Antônio no centro do Recife.
Frei Caneca continuou a lutar pelos os ideais de liberdade que tanto o inspirou. O tempo de prisão na Bahia serviu-lhe de impulso e de aprendizado para o que estava por vir.
Em 1822, o príncipe regente D. Pedro I faz a Proclamação da Independência do Brasil. Isso muito satisfaz o frade, que vê nesta atitude do imperador o maior passo para que os brasileiros tivessem a liberdade que tanto almejavam. O próprio Imperador havia prometido obedecer a uma constituição liberal, atitude que o leva a ser aclamado defensor perpétuo do Brasil. Frei Caneca é convidado para no dia 8 de dezembro de 1822, ser o orador da celebração promovida pelos deputados pernambucanos em honra à proclamação da Independência fazendo um belíssimo sermão em honra à Sua Majestade Imperial.
Porém, as ideias liberais de Dom Pedro I iriam passar. Em 12 de novembro de 1823, o Imperador dissolve a assembleia constituinte que limitava o seu poder. Esse acontecimento levou ao desgosto do frade carmelita e de muitos brasileiros. No pensamento caneciano e de acordo com os ideais liberais, o poder provinha do povo, era do povo que o governante recebia o poder de governar para o serviço do próprio povo. Para isso, era indispensável que se fizesse uma Constituição onde seriam moldados os direitos e deveres do próprio governante. Mas Dom Pedro, não queria seu poder controlado e outorgou em 1824, uma Constituição que embora fosse considerada uma das mais liberais da época, trazia uma novidade que era o Poder Moderador. Com esta Constituição, ficou claro que a forma de governo do Imperador seria absoluta e centralizadora, e por este motivo, não foi bem quista pelos pernambucanos.
Para piorar a situação, os pernambucanos haviam escolhido para governador da província Manuel Carvalho Paes de Andrade, descontentando o imperador, que nomeou para o cargo Francisco Paes Barreto, homem de confiança de Dom Pedro, o que gerou mais revolta na província.
De acordo com o historiador Pereira da Costa, “inicia-se a partir daí uma luta
entre a tirania imperial e a liberdade” (COSTA,1982:500), que tem no pensamento
caneciano seu principal embasamento. Impulsionado pelos acontecimentos, Frei Caneca novamente mostra suas garras de revolucionário e defensor da pátria e torna-se o mentor intelectual e representante de uma nova revolução denominada Confederação do Equador.
Esse movimento tinha um caráter separatista, e participavam dele os estados nordestinos da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Tinha por objetivo, convocar uma nova Assembleia Constituinte baseada no liberalismo; tornar uma região independente entre os estados federados, diminuindo assim o poder imperial, e acabar com o tráfico de escravos. Para Frei Caneca, o modelo republicano adotado na Confederação era o mais justo e democrático, o que nos faz entender, o título que recebeu de “precursor da liberdade democrática brasileira” (RIOS, 1983:18).
A Confederação do Equador foi deflagrada pelo governador deposto Manuel de Carvalho Paes de Andrade, em 2 de julho de 1824, tendo como projeto adotar a constituição colombiana e a estrutura politica liberal dos Estados Unidos.
Caneca, no impulso do movimento político reinante, cria o Typhis Pernambucano, semanário jornalístico escrito pelo próprio frade, que fazia duras críticas públicas ao modelo absolutista adotado por Dom Pedro. Frei Caneca foi um dos pioneiros em usar a impressa como instrumento da liberdade de expressão. O Typhis seria na mitologia grega uma nau dos argonautas comandados pelo piloto Jazão, que enfrentou perigos e tormentas para alcançar a liberdade. O jornal representava o condutor seguro e equilibrado para a liberdade republicana. Foram escritos 29 fascículos, de 25 de dezembro de 1823 a 12 de agosto de 1824. Eram considerados escritos polêmicos e neles estava claro o pensamento caneciano sobre liberdade, sobre a soberania do povo e os prejuízos que um governo absolutista trazia à nação.
Como descrito pelo historiador Sousa Montenegro (1978:71) Frei Caneca segue os passos do estilo panfletário do também pensador liberal Cipriano Barata3, sendo este considerado o “precursor de Frei Caneca”. O Typhis Pernambucano representa as ideias liberais de Caneca, postas em prática por meio da informação. Como jornalista e defensor da pátria, já havia escrito outros textos em prol da causa patriótica como: Respostas às calúnias e falsidades da Arara Pernambucana, O caçador atirando a segunda vez a Arara Pernambucana, Cartas de Pítia a seu amigo Damão.
Escreveu também sermões e textos como: Sermão de aclamação de D. Pedro I, Dissertação o que se deve entender por pátria do cidadão e deveres deste para com a mesma pátria e, ainda, escreveu outras obras e textos, alguns perdidos com o tempo.
Entretanto, nas obras que chegaram até os nossos dias, observamos o desejo do
frade de que a população seja informada, ou seja, se torne ciente dos acontecimentos que os cercava e do grande perigo que a nação estava a correr com um governo absolutista. Portanto, no pensamento caneciano os próprios meios de informação servem como meio de formação e educação da sociedade para combater a tirania do imperador e alcançar a liberdade. Essa parece ser a intenção por excelência do frade carmelita. O professor Orlando Parahym, na obra, Ensaios Universitários Sobre Frei Joaquim do Amor Divino, diz sobre o semanário Typhis Pernambucano: “Seria o timoneiro, o orientador lúcido, o condutor certo e equilibrado, erudito e corajoso da opinião pública na conquista da liberdade republicana”. (1975:32)
A vida revolucionária de Frei Caneca não fica apenas na teoria, ou seja, em seus escritos e sermões proclamados. É por meio da ação libertária que Caneca vê o sentido da teoria iluminista que preencheu seu pensamento, o que significava que para ele não havia liberdade sem luta.
A Confederação do Equador foi violentamente dissolvida pelo imperador com a ajuda naval do mercenário inglês Thomas Cochrane e pelo comando do Brigadeiro Francisco de Lima e Silva que por terra perseguia os confederados. Frei Caneca, mesmo sabendo o que poderia lhe acontecer não desiste de seu ideal; segue percorrendo o caminho dos seus irmãos de causa, indo para o sertão cearense com as tropas revolucionárias, movido pela esperança de salvar a Confederação. Enquanto a revolução agonizava, as tropas imperiais se aproximavam mais ainda até cercarem os revolucionários, que não tiveram outra saída a não ser se renderem. Todo esse movimento de luta em prol da liberdade foi descrita em seus ricos detalhes pelo próprio frade, na obra chamada Itinerário.
Preso no Crato, os revolucionários são trazidos para Recife percorrendo cerca de oitocentos quilômetros, do dia 29 de novembro a 17 de dezembro de 1824. São presos em condições as mais precárias possíveis, jogados em uma cela que antes era lugar de guardar as cabeças dos enforcados. Frei Caneca é julgado no dia 18 de dezembro de 1824, tendo a junta militar não aceitado sua defesa que fora proferida pelo próprio réu. Foi condenado à morte de forca no dia 23 de dezembro de 1824. Levado, da cadeia pública em procissão e sofrendo o indigno ritual de degradação das ordens sacras, Frei Caneca chega ao lugar de seu martírio, o forte das Cinco Pontas no Recife. Após vários contratempos e de três algozes se recusarem a matar o frade, foi mudada a sentença de morte de forca para arcabuzamento4. Frei Caneca morre em 13 de janeiro de 1825, e seu corpo é depositado em lugar desconhecido no convento do Carmo do Recife.
BIBLIOGRAFIA:
Rios, Maria José. (1983) Frei Caneca precursor da liberdade. Recife: Edições FAFIRE.
Peréa. R. e outros (1975). Ensaios Universitários sobre Frei Joaquim do Amor Divino (Caneca). Recife: Editora Universitária da UFPE.
Montenegro, João Alfredo de Sousa.(1978) O liberalismo radical de Frei Caneca. Rio de Janeiro: tempo brasileiro.
Medeiros, Tito Figueirôa.(2017).Frei Caneca: Vida e Escritos. Recife: Cepe.
COSTA, F. A. (1982) Pereira da. Dicionário Biográfico de Pernambucanos Celebres. Recife: Fundação Cultura da Cidade do Re.
- Este é um extrato do artigo intitulado FREI CANECA: a Educação como práxis da liberdade, publicado para a revista Humanae: HumanÆ. Questões controversas do mundo contemporâneo, v. 12, n. 2 (Ano, 2018) ISSN: 1517-7606 ↩︎
- Nome que na época era considerado pejorativo, foi utilizado para identificar os revolucionários ↩︎
- Cipriano Barata foi médico, jornalista panfletário e político brasileiro. Foi um dos principais pensadores e introdutores do liberalismo radical no Brasil ↩︎
- Fuzilamento com tiros de arcabuz. ↩︎