Mensagem do Prior Geral
MARIA, MÃE DA ESPERANÇA
Mensagem do Prior Geral por ocasião da Festa de Nossa Senhora do Carmo no Ano Jubilar 20251

Irmãos e irmãs,
Uma vez mais, temos a imensa alegria de celebrar a Festada Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo como celebração da Igreja e de toda a Família Carmelita.
Neste ano, nossa Festa acontece dentro das celebrações do Ano Jubilar, um evento que dá um significado ainda mais profundo às nossas novenas, procissões e celebrações litúrgicas, pois o muito amado Papa Francisco nos pediu que refletíssemos sobre a esperança que há em nossas vidas e sobre o seu fundamento: Jesus Cristo, o Salvador, e Maria, sua Mãe. Graças a eles e àquilo que representam, nós podemos viver na esperança, uma esperança que não nos decepciona.
Jesus é o Verbo Encarnado de Deus. Maria é a serva do Senhor, sempre obediente à sua Palavra. Jesus, suspenso na Cruz, é a promessa da ressurreição, a vitória sobre tudo aquilo que poderia deter-nos ou deixar-nos nas trevas. Maria permanece de pé e o seu coração compreendeu e, sem saber o que lhe estava acontecendo, firmou-se na esperança e não se distanciou quando viu seu Filho morrer crucificado.
Neste Ano Jubilar, no qual nos vemos como peregrinos da esperança, nossa fé e nossa esperança são colocados à prova. Todos os dias escutamos notícias de guerra. As notícias sobre Gaza relatam de 20, 30, 60, ou até 90 pessoas, homens, mulheres e crianças, mortos em um só ataque. Cada ataque é o resultado de um atento planejamento e emprega o melhor do talento humano para torná-lo possível.
Penso em como deve começar o dia em Gaza, ou em Kiev, naqueles lugares onde as pessoas veem destruição todos os dias. É difícil pensar que as pessoas tenham conseguido dormir; mesmo assim, o novo dia deve começar. E o que trará o novo dia? Mais morte, mais destruição, mais escombros, e novamente o clamor: quando e como acabará tudo isso? O que faz uma pessoa quando a casa que possuía transformou-se em ruína total e o sangue dos seus familiares tingiu as pedras de vermelho? Quantas vezes as pessoas devem sentir-se perdidas, sem esperança, sem ninguém que possa salvá-las?
A tragédia da guerra nos entristece sempre. Também as notícias de desastres naturais nos entristecem. Ao falarmos de desastres naturais, sabemos que, em muitos casos, tais desastres poderiam ser prevenidos, senão evitados, ao menos as suas consequências poderiam ser menos graves. Acreditamos que, graças ao progresso científico, podemos fazer muito mais.
Apesar de o coração humano sofrer profundamente vendo isto que está acontecendo, temos ainda esperança e esta não nos engana. O Jubileu é uma ocasião para agradecer a Deus, autor da vida, escutar profundamente a sua Palavra e recolocar no devido lugar a nossa relação com Deus, com os outros e com a terra, nossa casa, uma casa preparada para cada ser humano, filho de Deus e de Maria.
Hoje podemos render graças a Deus porque temos motivo de esperar. Cada vez em que nos voltamos ao Evangelho descobrimos novamente o motivo da nossa esperança e agradecemos. O Evangelho nos fala de Jesus que revela o amor e a misericórdia do Pai, fala de Maria que acolhe a Palavra e a coloca em prática. O Evangelho fala de um compromisso de vida que é centrado no amor e no tratar cada ser humano como nosso irmão e nossa irmã.
Este é o mundo que o Evangelho nos oferece. Não é apenas um piedoso pensamento. Não é simplesmente um sonho inatingível. É uma realidade que podemos alcançar e foi alcançada por pessoas que responderam a sua fé em Jesus Cristo, como fez Maria, e deram à sociedade um modelo de vida simples, de amor e serviço aos outros. Esta é a vida que milhões de pessoas se esforçam por obter para si e para a sua família, mas alguma coisa deu errado. Há uma parte de nossa sociedade que falhou. É a parte que não vê os seres humanos como irmãos e irmãs uns dos outros, mas os vê sobretudo como rivais, concorrentes, servos da sua ambição, objeto de sua cobiça. As pessoas com esta mentalidade, pregando o seu “evangelho” de poder e de exclusão, de opulência e de ganância têm, de qualquer modo, convencido, fascinado ou corrompido muitos líderes do mundo, ao ponto de fazer leis que servem à elite e distanciam, excluem, punem as massas que são vítimas deste jogo de poder e que começam a sentir que não adianta opor-se a este poder e assim a única coisa a fazer é aceitá-lo e tornar-se parte dele. “Se não podes vencê-los, une-te a eles”.
Na época dos profetas, a situação era mais ou menos a mesma. Repetidamente, os verdadeiros profetas tiveram que levantar-se para condenar os modos opressivos dos maus pastores e restaurar a esperança do povo nos bons pastores. Elias surgiu com um fogo, detestava aquilo que a idolatria de Acab e Jezabel estava fazendo ao povo, removendo a sua identidade, privando da razão da esperança e tirando o alimento da sua boca para dá-lo aos cavalos. Elias surgiu como um fogo. Ele estava ali para defender a dignidade da pessoa humana e a verdadeira imagem de Deus, Quantas vezes hoje o nome de Deus é usado para sustentar a mais desumana das causas!
Na sua época, Maria podia ver as mesmas realidades. Viu que Deus elevava os humildes e derrubava dos tronos os poderosos. Viu que Deus saciava os famintos e despedia os ricos de mãos vazias. Viu que Deus é fiel às suas promessas e, enquanto a pequena comunidade começava a formar-se ao seu redor, ela entesourou as palavras pronunciadas por Jesus na Cruz: “Mulher, eis o teu filho”. Ela sabia que tudo aquilo que o seu Filho havia dito era verdade, pois todas as suas palavras eram palavras de salvação.
Quando falou de quanto eram felizes os pobres, os promotores de paz, os puros de coração, os profetas de justiça, todas estas eram palavras de salvação e, por isso mesmo, palavras verdadeiras. Quando falou de construir a casa sobre a rocha e não sobre a areia, tudo isto era verdadeiro, e quando falou de vir para servir e não para ser servido, também isto era verdadeiro; e quando falou de amar a Deus com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças, e ao próximo como a nós mesmos, também isto era verdadeiro. Todas estas palavras são verdadeiras porque são palavras de salvação. Ora, hoje somos enganados e desorientados por muitas palavras, pronunciadas para defender causas que não deveriam ser defendidas pois ofendem a dignidade da pessoa humana e não são palavras de salvação.
O salmista tem uma palavra para nós: “No Senhor ponho a minha esperança, espero em sua palavra. A minh’alma espera no Senhor mais que o vigia pela aurora” (Sl 130). Encontramos esta confiança em nós mesmos como a encontrou Maria? A confiança nos dá essa esperança que é segura, firme e credível como o amanhecer que virá depois da noite, como todo vigia o sabe?
Onde está então a nossa esperança, a segura esperança que não engana e que somos encorajados a descobrir neste Ano Jubilar? Esta esperança está em Jesus Cristo, o Verbo Encarnado, em Maria, a Mãe do Verbo Encarnado, sempre obediente a essa Palavra, e nos nossos irmãos e irmãs que creram nessa Palavra. Não estamos sós! Enquanto meditamos, cada ano, sobre a vida de Maria e como permaneceu firme aos pés da Cruz podemos pensar nas gerações de pessoas que receberam Maria como mãe e a acolheram nas suas vidas e nas suas casas como seus filhos. Não estamos sós! Quando oramos pela paz estamos em união com milhares de milhares de pessoas em todo o mundo, cuja humanidade é ainda viva e lúcida, que não se ajoelharam diante de Baal ou qualquer outro ídolo cruel e de coração duro. Não estamos sós!
Elias certa vez pensou que estava sozinho, que todos os profetas tinham sido mortos, que fosse o único que restara e que quisessem também matá-lo (1Rs 19,18). Depois descobriu que não, não estava só, havia outros setenta mil profetas que não haviam dobrado os joelhos a Baal. Hoje devemos olhar o entorno e ver a vasta gama de pessoas, de cada tribo, língua, povo e nação, que apreciam a vida que receberam do Criador e só desejam viver em paz e harmonia com próximo, ter espaço e dignidade para as suas famílias e contribuir na construção de um mundo onde haja espaço e dignidade para todos.
Como deve ser a situação de estar sem casa, ter filhos pequenos que não podem se proteger, sentir o barulho do inimigo no céu e poucos segundos depois ver a destruição que uma bomba, não mil, pode provocar em poucos segundos? Que palavras, ideias, mensagens, ambições e obrigações estão nas mentes dos homens e das mulheres que dão as ordens e daqueles e daquelas que as executam? O Ano do Jubileu chega a nós como um momento para agradecer a Deus e ao mesmo tempo construir novas relações nos lugares onde as que existem não se baseiam na fraternidade. Não há limite ao número dos filhos e filhas que Maria recebeu aos pés da Cruz, nem aos homens e às mulheres que podem acolher Maria na sua casa como seus filhos. Aqui criamos uma humanidade na qual reconhecemos que a mãe e os irmãos e as irmãs de Jesus, na vida, na cruz e na ressurreição, são aqueles que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática. Estas são as pessoas que escutam as palavras de salvação, guardam-nas e as assimilam. Estão em grau de filtrar e afastar as palavras de violência e destruição, as palavras de ódio e vingança, as palavras de cobiça e ambição de dominar sobre os outros.
Agora, no mundo, escutamos alguns dos nossos líderes dizendo que devemos estar preparados para a guerra, que seria ingênuo pensar o contrário. Escutamos novamente esta suposta sabedoria que diz: “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”. Escutamos palavras que nos dizem que se deve intimidar os outros para que aceitem a paz: a paz vem com a força, não há outra maneira. A paz através da força é verdadeira, porém, que tipo de força? A nossa fé em Jesus Cristo dirá sempre que a nossa verdadeira força está na capacidade de confiarmos na Palavra de Deus e de estender esta mesma Palavra aos corações dos homens e das mulheres que, sendo tocados pelo amor de Deus, desejam no profundo do coração, ali onde o clamor da humanidade é forte e claro, perdoar-se mutuamente e construir novas relações fraternas para o bem de todos.
Agora devemos nos deter e ver o que a esperança pode nos dar hoje. A nossa esperança é em Cristo Jesus e esta não nos decepciona. É correto, porém, perder a esperança na humanidade, nos nossos irmãos e irmãs? O salmista (Salmo 117) nos diz: “Não confiai nos príncipes, confiai no Senhor e Ele vos salvará”. Apesar disso, não é certo não esperar nos nossos irmãos e irmãs, nos seres humanos. Se fizéssemos isso, estaríamos jogando o jogo daqueles que gostariam de tirar nossa visão de Deus e nossa compreensão da dignidade da pessoa humana, só para substituí-la por uma imagem muito pobre e às vezes repugnante dela. Deus pôs tanto de si mesmo na humanidade que podemos nos ver uns aos outros como verdadeiros filhos e filhas de Deus, irmãos e irmãs uns dos outros. O nosso modo de compreender se baseia no Evangelho, na lei do amor, na revelação de Deus e do seu amor que nos foi doado, exemplificado em Maria e nos nossos santos, exemplificado em Elias e Eliseu e doado a nós quando fomos chamados a viver no obséquio de Jesus Cristo.
Quem é capaz de compartilhar esta mensagem com o mundo de modo a convencer as mentes e mudar os corações, para que os que têm todo o poder o usem para servir e não para ser servidos e aqueles que não têm poder o confiram mutuamente, recebendo tudo o que vem de Deus e compartilhando-o livremente, para que ninguém fique necessitado? Ninguém deveria carecer do que um ser humano necessita para viver uma vida digna. “Mulher, eis aí o teu filho; filho, eis aí tua mãe”. É nestas palavras, provenientes da boca do Filho de Deus suspenso na Cruz, que aprendemos a esperar em Deus e nos demais, pela verdade que elas contêm, pois são palavras de salvação. Destas palavras aprendemos o quanto Deus fez por nós e muito fará por aqueles que se voltam a Ele e aprendem o que significa ser manso e humilde de coração. É o mesmo Filho de Deus que diz: “Felizes os promotores da paz, felizes os que buscam a justiça, felizes os mansos.
Rezo para que as celebrações da Solenidade da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, neste Ano Jubilar, renovem a nossa esperança, aumentem a nossa alegria e levem muitos irmãos e irmãs a encontrarem esta esperança e esta alegria em Jesus, o Verbo Encarnado, em Maria, a Mãe de Jesus sempre obediente à sua Palavra, e nas pessoas que adornam cada dia nossas vidas, como irmãos e irmãs, peregrinos da esperança.
Roma, 07 de julho de 2025
Frei Míceál O’Neill, O. Carm.
Prior Geral
- Fonte: www.ocarm.org ↩︎