Amor pela cruz
Por Santa Teresa Benedita da Cruz, O.C.D (Edith Stein)1
A visão do mundo em que vivemos, a necessidade, a miséria e o abismo da maldade humana servem para atenuar novamente o gozo da vitória da luz. A humanidade continua a lutar no barro e ainda é pequeno o rebanho que conseguiu pôr-se a salvo nos mais altos cumes do monte. A batalha entre Cristo e o Anticristo ainda persiste. Nesta batalha os seguidores de Cristo têm o seu lugar. E sua arma principal é a Cruz.
Como é possível compreender isto? O peso da Cruz, que Cristo carregou, é a corrupção da natureza humana com todas as suas consequências de pecado e sofrimento, com as quais é castigada a humanidade caída. Subtrair do mundo essa carga, esse é o sentido último da Via crucis. O regresso da humanidade libertada ao coração do Pai celeste e ao estado de filhos adotivos é um dom gratuito da graça, do amor onimisericordioso. Porém isso não pode acontecer à custa da santidade e da justiça divinas. A totalidade das culpas humanas, desde a primeira queda até o dia do juízo, tem que ser apagada por uma expiação equivalente. A Via crucis é esta reparação. As três quedas de Cristo sob o peso da Cruz correspondem à tríplice queda da humanidade: o pecado original, a recusa do Redentor, por seu povo escolhido, e a apostasia daqueles que levam o nome de cristãos.
O Salvador não está sozinho no caminho da Cruz e não há só inimigos a persegui-lo, mas também há homens que o ajudam: como modelo dos seguidores da Cruz de todos os tempos temos a Mãe de Deus; como tipo daqueles que assumem o peso do sofrimento imposto e, suportando-o, recebem sua bênção, temos Simão de Cirene; como representante daqueles que amam e se sentem impulsionados a servir o Senhor temos Verônica. Qualquer pessoa que ao longo do tempo tenha aceitado um duro destino em memória do Salvador, expiou, em parte, o imenso peso da culpa da humanidade e ajudado com isso o Senhor a levar este fardo; ou melhor, é Cristo-Cabeça quem expia o pecado nestes membros de seu corpo místico que se colocam a disposição de sua obra de redenção no corpo e na alma. Podemos supor que o Salvador, na noite do Monte das Oliveiras, era fortalecido ao pensar nestes fiéis que lhe haviam seguido e lhe seguiriam no caminho da dor. E a força destes carregadores da Cruz vem em sua ajuda depois de cada queda. Os justos da Antiga Aliança o acompanham no caminho entre a primeira e a segunda queda. Os discípulos e discípulas, que se reuniram em torno a Ele durante sua vida terrena, são os que lhe ajudam na segunda queda. Os amantes da Cruz, que Ele suscitou e que novamente e sempre suscita na história da Igreja, são seus aliados na última queda. Para isso também nós fomos chamados.
Quando alguém deseja o sofrimento, não se trata, pois, de uma simples recordação piedosa dos sofrimentos do Senhor. A expiação voluntária é o que nos une mais profundamente e de um modo real e autêntico com o Senhor. E essa nasce de uma união já existente com Cristo. A natureza humana foge do sofrimento. E a busca do sofrimento como satisfação perversa pela dor é algo muito distinto da vontade de sofrer por expiação. Não se trata de uma aspiração espiritual, mas de um desejo sensível e não melhor que as outras paixões, mas algo muito pior por ir contra a natureza. Só pode aspirar à expiação quem tem abertos os olhos do espírito ao sentido sobrenatural dos acontecimentos do mundo; isto torna-se possível só em homens nos quais habita o Espírito de Cristo, que como membros da Cabeça encontram n’Ele a vida, a força, o sentido e a direção. Por outro lado, a expiação une mais intimamente com Cristo, semelhante a uma comunidade que se sente mais intimamente unida quando seus membros realizam juntos um trabalho, ou semelhante aos membros de um corpo que se unem cada vez mais no jogo orgânico de suas funções.
Assim como o ser um com Cristo é nossa beatitude, e o progredir em chegar a ser um com Ele é nossa felicidade na terra, também o amor pela Cruz e a gozosa filiação divina não são contraditórias. Ajudar Cristo a carregar a Cruz proporciona uma alegria forte e pura, e aqueles que podem e devem, os construtores do Reino de Deus, são os autênticos filhos de Deus. Daí que a preferência pelo caminho da Cruz não signifique que a Sexta-Feira Santa não tenha sido superada e a obra de redenção consumada. Somente os redimidos, os filhos da graça, podem ser portadores da Cruz de Cristo. O sofrimento humano recebe força expiatória só se está unido ao sofrimento da Cabeça divina. Esta é a vida do cristão até o dia em que rompa o alvorecer da eternidade: sofrer e ser feliz no sofrimento, estar na terra, percorrer os sujos e ásperos caminhos desta terra e, contudo, reinar com Cristo à direita do Pai; com os filhos deste mundo rir e chorar e com os coros dos anjos cantar ininterruptamente louvores a Deus.
- In: Edith Stein, obras selectas p. 257ss. Ed. Monte Carmelo, Espanha, 1998 (Tradução nossa) ↩︎