A restauração da secular imagem de Nossa Senhora do Carmo da cidade de Goiana-PE
Frei Cristiano Garcia D. Barbosa, O.Carm.1
No último dia 24 de julho, aconteceu na Igreja do Convento de Santo Alberto da cidade de Goiana, Pernambuco, a reentronização da imagem de Nossa Senhora do Carmo. A secular imagem passou por uma intervenção de restauração com o apoio do Sesc e a Escola de Restauração de Arte Sacra da cidade. Esse representou um importante momento para a história dos carmelitas e do povo de Goiana, cidade que está marcada pelo significado devocional que da imagem, que é testemunha dos séculos de seu desenvolvimento urbanístico e social.

A devoção a Nossa Senhora do Carmo em Goiana tem sua origem com a chegada dos seus principais promotores, os frades carmelitas que iniciaram uma pequena comunidade de religiosos em 1666. A população da então Vila, que se destacava pela produção de açúcar e, que se tornou a principal povoação da Capitania de Itamaracá, foi quem pediu o estabelecimento dos religiosos carmelitas em seu território, em terreno doado pelo Capitão Felipe Cavalcanti de Albuquerque. A pequena comunidade foi iniciada sob o priorado de Frei Alberto do Espírito Santo que concedeu o patronato do convento a Santo Alberto.
Mas foi em dezembro de 1679, sob o priorado de Frei Marcos de Santa Maria e graças a grande benfeitoria do General André Vidal de Negreiros, que novas obras de expansão e construção de uma Igreja e convento de pedra e cal foram realizadas. O mesmo general, que era governador de Pernambuco e lutou na expulsão dos holandeses do território pernambucano, foi que lançou a pedra fundamental do novo templo e convento. Ele, além de muito concorrer para o estabelecimento dos carmelitas e as obras do convento, deixou em seu testamento a contribuição necessária para que a edificação do templo fosse concluída. André Vidal era um devoto de Nossa Senhora do Carmo e tinha um filho carmelita, o Frei Francisco Vidal Negreiros que fora superior do Carmelo brasileiro.
A ajuda econômica para edificação do templo e convento, veio também através da Coroa Portuguesa a partir de uma provisão do Conselho Ultramarino datada de 7 de novembro de 1781, com a condição que os religiosos assumissem na Vila de Goiana o ensino publico de filosofia e teologia. Esse foi o período do estabelecimento dos carmelitas e consequentemente, da devoção mariana no Carmelo. Principalmente, graças as missões assumidas pelos religiosos, tanto na Vila como na catequese dos povos indígenas da região.
Esse estabelecimento se dá de forma mais efetiva depois de 1677, quando o convento recebe uma reforma da Ordem de estrita observância que foi chamada Reforma Turonense. Os quatro frades que vieram de Portugal para implantar a reforma, Frei João de São José, Frei Cristóvão de Cristo, Frei Manuel da Assunção e Frei Ângelo de São José, receberam o apoio da Coroa portuguesa, do Vigário dos Carmelitas do Brasil e da população. Sabemos que um dos principais trabalhos dos frades reformados no território brasileiro, foi a difusão da espiritualidade mariana da Ordem e das missões que assumiram no interior adentro da região da mata norte de Pernambuco e litoral da Paraíba.
Temos poucas informações sobre a origem da imagem de Nossa Senhora do Carmo que coroa o altar mor da Igreja dos carmelitas. Mas talvez, ela seja a primitiva imagem que vem desde esse período inicial da construção do próprio templo, já que pelos estudos realizados, é uma imagem barroca do final do século XVII. A imagem de 2 metros de altura, tem as feições de uma senhora nobre, branca, convicção firme, corpo avantajado, próprio do protótipo da mulher barroca e como era retratado as mulheres da burguesia açucareira da época2[2]. O que queremos dizer, é que além da devoção, a imagem de Nossa Senhora do Carmo representa um estilo artístico e a estética da sociedade aristocrata do seu tempo, que no caso, era a sociedade colonial que tinha sua base econômica na cana de açúcar. Porém, além do elemento artístico, que percebemos ser de alta qualidade, a imagem representa a fé de um povo.
Assim, a imagem de Nossa Senhora do Carmo presenciou a evolução histórica de uma sociedade goianense , mas também, a dinâmica da fé que acompanha os séculos de sua existência. E isso é de fato o que permanece, embora a sociedade e a arquitetura urbana tenham modificado, a devoção do povo continua como algo recebido dos ancestrais, e que se torna tradição que continua a ser celebrada porque constitui a identidade desse povo. É por isso, que essa história continua a se repetir, porque gera em nós pertença e cultura: é a história de preces, milagres alcançados e ações de graças que encontra no símbolo da imagem a expressão autêntica da fé de uma gente.
Preservar a Igreja do Carmo de Goiana, como todo o conjunto arquitetônico e histórico dos carmelitas, os seus objetos e símbolos, representa preservar a história, tradição, cultura, identidade, e mais ainda, fé e devoção de todo um povo, que conta através deles seus altos e baixos, histórias de lutas e conquistas.
Sem dúvida, a tradicional festa do Carmo faz parte desse contexto histórico e cultural que remete a devoção a imagem de Nossa Senhora do Carmo. É por tanto, a imagem, símbolo da identidade do povo goianense, que conta por si mesma, a história de gerações que transmitiram e continuam a transmitir a devoção a Mãe de Jesus, como a medianeira da graça e intercessora junto ao seu filho. Percebemos, desse modo, que religião, arte e cultura não são elementos distantes, mas unidas, revelam a fé que formou parte fundamental da vida de pessoas do passado, do presente e alimentam a esperança de um futuro, onde as próprias raízes e os símbolos a ela vinculados, nos dão um sentimento de pertença a comunidade, seja ela religiosa ou social.

Com tudo, o que queremos aqui enfatizar, é o valor simbólico da imagem de Nossa Senhora do Carmo de Goiana, que agora é devolvida ao seu altar-mor, para ocupar o seu lugar secular. Ali, percebemos que ela herdeira histórica do árduo trabalho dos frades carmelitas que desde do século XVII, plantaram nesta terra a espiritualidade mariana e devoção a Senhora do Carmo. Também ela é fruto da arte, do contexto e da vida de um povo que transforma em cultura a sua própria história e celebra o retorno da santa, que transmite na sua identidade o seu modo de ser no mundo. A restauração da imagem anima a continuar essa história de fé e devoção, a reescrevê-la e transmiti-la as futuras gerações.
- Mestre em História da Igreja pelo Ateneu Universitat Sant Paciá- Facultat de História, Arqueologia e Artes Cristãs Antoni Gaudí, Barcelona. ↩︎
- Geralmente, as imagens barrocas do período colonial retratam mulheres pertencentes a burguesia da época. Por isso, cito os protótipos estéticos da imagem fazendo referência ao contexto artístico da época. ↩︎