Os Carmelitas no norte do Brasil
Frei Cristiano Garcia Dias Barbosa, O.C1
Ainda hoje, podemos encontrar vestígios da devoção a Nossa Senhora do Carmo e aos santos carmelitas no norte do Brasil. Os principais promotores dessa devoção foram, sem dúvida, os religiosos carmelitas, que iniciaram suas atividades missionárias nessa região a partir de 1615. Várias missões, igrejas e santuários foram dedicados à Virgem do Carmo, como podemos ver no trabalho de André Prat sobre a missão carmelita no Extremo Norte do Brasil durante os séculos XVII e XVIII.2 O trabalho de Prat é um documento fundamental para a pesquisa sobre a presença dos carmelitas nessas regiões remotas, especialmente entre os rios Negro e Solimões.
Os primeiros carmelitas que se estabeleceram no Norte do Brasil foram os frades Cosme da Anunciação e André da Natividade. Eles eram capelães da expedição de Alexandre de Moura, que foi ajudar Jerônimo de Albuquerque na reconquista do Maranhão, que estava sob o poder dos franceses. Com a chegada da expedição, foi derrotado o último reduto dos franceses, a fortaleza da ilha de São Luís, que daria nome à futura capital do Maranhão. Isso marcou a vitória portuguesa sobre os franceses em 4 de novembro de 1615.
O primeiro convento da região Norte, foi fundado em São Luís do Maranhão3, em 1616, e em 1624, foi fundado o convento de Belém. Neste mesmo período também foram fundadas diversas missões carmelitas, especialmente entre os rios Negros e Solimões, como também diversos hospícios. Desde o início, os carmelitas que se estabeleceram no Norte do Brasil, formaram um vicariato independente do restante do Carmelo brasileiro, tendo inclusive, um outro vigário provincial. Esse cargo foi ocupado pela primeira vez pelo Frei Francisco da Purificação, que tomou posse em 1624.
No norte, os carmelitas e os mercedários tornaram-se grandes proprietários de terras, especialmente após a expulsão dos jesuítas em 1759, quando essas ordens, juntamente com os franciscanos, se tornaram as únicas a missionar na região. As missões carmelitas também contribuíram para o desenvolvimento da sociedade da época. Por exemplo, foi um religioso carmelita quem inaugurou a vacinação contra a epidemia de varíola na região amazônica, na primeira metade do século XVIII. Essa epidemia deixou mais de quinze mil mortos no Pará e em povoados vizinhos, como nos relata Hoornaert:
Vi em duas capitanias arder o contágio e dele resultar tanta quantidade de mortos que apenas havia quem suprisse para sepultá-los. A pobreza os lançava de noite nos adros das igrejas e afirma que só na cidade do Pará e suas vizinhanças se pudera averiguar o número de para cima de quinze mil mortos. Tal estrago fez a bexiga que por isso mereceu distintivo de ser chamado sarampo grande.4
Como vimos, a epidemia causou uma profunda mortandade, destruindo não só a cidade, mas especialmente as aldeias indígenas, que eram o campo de trabalho missionário dos religiosos. Em 7 de agosto de 1733, o provincial carmelita do Pará solicitou ao rei o envio de um missionário à região do Rio Negro, à aldeia de Santo Alberto, que estava exaurida e devastada pela infecção de varíola.
Além do convento carmelita de São Luís, uma das principais casas carmelitas do Norte brasileiro, foi o convento de Belém do Pará que se tornou um importante centro da missão carmelita de catequizar os índios das margens dos rios Negro, Madeira e Solimões. Além disso, o convento de Belém tornou-se casa de estudos de teologia e filosofia, o que significa que os carmelitas tinham ali, uma casa de formação própria para os religiosos.
A medida que a Ordem se desenvolvia, as missões se multiplicavam. Em 1720, havia 15 missões carmelitas no Pará e no Amazonas, e em 1725, elas se expandiram para o vale do Rio Branco. O surgimento da cidade de Manaus também tem suas raízes no desenvolvimento dos carmelitas na região, já que, após a vitória do sistema colonial sobre os índios Manaós, os religiosos carmelitas se estabeleceram na região próxima ao Rio Negro.
O processo de decadência da Ordem na região começou a mostrar seus primeiros sinais em 1755, quando o marquês de Pombal retirou a administração dos carmelitas das missões que haviam sido assumidas pelos frades. Em 1784, o número de religiosos que viviam no estado do Grão-Pará estava distribuído da seguinte forma: no convento do Pará, havia 10 religiosos com cargos de superiores e mestres, além de 10 irmãos coristas, 4 irmãos de vida ativa e 4 noviços. Havia também religiosos que viviam fora dos conventos em serviços pastorais ou administrativos, como 2 sacerdotes que eram capelães em fazendas e outros 10 sacerdotes que atuavam como vigários paroquiais.
Na segunda metade do século XIX, o antigo esplendor do Carmelo no Norte do Brasil havia desaparecido quase por completo, restando apenas as ruínas do que fora. Desde 1841, quando havia apenas seis religiosos, a Santa Sé uniu o que restava da Vice-província do Grão-Pará à Província do Rio de Janeiro.5 Porém, isso de fato, nunca veio acontecer. As situação veio a piorar com a proibição das ordens religiosas receberem noviços pela lei imperial do ministro Nabuco de Araújo em 1855. Em 8 de maio 1891, o último religioso carmelita da Vigararia do Grão-Pará, Frei Caetano de Santa Rita Serejo, faleceu em São Luís do Maranhão, e os conventos e bens foram incorporados ao governo brasileiro, e depois, a cúria diocesana em 1892.
A presença dos carmelitas no Norte do Brasil ainda necessita de um estudo mais profundo por parte de historiadores, antropólogos e sociólogos, dada a importância das missões carmelitas na formação do povo, da cultura, da religiosidade e no surgimento de cidades nessa região.
- Trecho tirado de: BARBOSA, Cristiano Garcia D., Del Imperio a la República: la Romanización de la Iglesia Católica en Brasil y la restauración de la Provincia de Pernambuco, (Dissertação de mestrado), Ateneu Universitari Sant Pacià, Barcelona, 2024. ↩︎
- PRAT, André, Notas históricas sobre as missões carmelitas no extremo norte do Brasil (século XVII-XVIII), Recife: Carmelitas 1942. ↩︎
- Embora hoje, o Maranhão esteja na região Nordeste do Brasil, no século XVII, o conceito das regiões brasileiras não era como conhecemos hoje. O Maranhão era uma capitania independente, vinculada diretamente a Portugal situada no norte da vasta área da então colônia brasileira. ↩︎
- Cf. HOORNAERT, Eduardo – AZZI, Riolando, História da Igreja no Brasil: primeiro período, Petrópolis: Vozes 1977, 220. ↩︎
- Cf. CARRETERO, Ismael Martínez Exclaustración y restauración del Carmen en España: 1771-1910 (Textus et studia historica carmelitana 22), Roma: Edizioni Carmelitane 1996, p. 512. ↩︎