As Noites Escuras de Santa Teresa (I)
Frei Geraldo de Araújo Lima, O.Carm.
São João da Cruz estuda a fundo as quatro noites escuras que a alma tem que atravessar, na sua caminhada para a união mística com Deus. Tais noites são divididas em duas duplas: a) noite ativa e noite passiva; b) noite dos sentidos e noite do espírito.
No seu livro “Subida do Monte Carmelo”, ele aborda a noite ativa dos sentidos e a noite ativa do espírito. Já no livro “Noite Escura” o enfoque recai todo na análise da noite passiva dos sentidos e da noite passiva do espírito. Em resumo, descrevem-se os efeitos das purificações que se realizam tanto na parte sensitiva como na parte espiritual do homem. A noite é ativa quando a pessoa mesma se impõe mortificações, sacrifícios, renúncias, provações e correções. A noite é passiva quando tais coisas são impostas por Deus, à nossa revelia.
No caso específico de Santa Teresa de Jesus, a dolorosa noite escura que ela atravessou durante três anos, logo após a sua profissão religiosa, foi uma autêntica noite escura passiva dos sentidos; e é dela que trataremos neste artigo. No artigo subsequente, veremos a noite escura passiva do espírito, em que ela se debateu ao longo de vinte anos.
Teresa entrou no mosteiro carmelita da Encarnação no dia dois de novembro de 1535, aos vinte anos. Após um ano exato de postulantado, entrou no noviciado, vestindo o hábito carmelitano e assumindo a nova vida de monja. O ano do noviciado foi, para ela, um período de cálida devoção e profundo mergulho na espiritualidade da Ordem carmelitana. Entregou-se às observâncias do Carmelo com a veemência que lhe era peculiar. Estava disposta a tudo para atingir a perfeição no amor. Ela própria relata em sua autobiografia: “Uma religiosa sofria então, prostrada por grande e dolorosa enfermidade; devido a uma obstrução, fizeram-lhe abertura no ventre, por onde regurgitava tudo o que comia. Em pouco tempo faleceu. Eu via todas temerem aquele mal, mas tinha grande inveja de sua paciência; e pedi a Deus que, dando-me semelhante paciência, também me desse as enfermidades que desejasse. Parece-me que eu não temia nenhuma, pois estava tão determinada a obter bens eternos que me dispunha a ganhá-los por qualquer meio”.
E ela conclui candidamente: “Sua Majestade me ouviu tanto que, em menos de dois anos, a minha condição era tal que, embora diferente daquela, a minha enfermidade não foi menos dolorosa nem deu menos trabalhos, e durou três anos”.
Terminando seu ano de noviciado, Teresa fez sua profissão religiosa no dia 3 de novembro de 1537, exatamente um ano e um dia depois do seu ingresso no noviciado. Logo começaram a surgir os sintomas da misteriosa doença: frequentes desmaios, dor intensíssima no coração com horríveis convulsões, e outros males. E a doença se agravava dia a dia. O pobre D. Alonso, seu pai, vendo que os médicos de Ávila nada podiam fazer, resolveu tirar sua filha predileta do convento e levá-la a uma localidade, no interior de Ávila, onde morava uma famosa curandeira que, talvez, pudesse curá-la.
O tratamento foi mais longo do que o previsto e também mais duro, quase brutal. O diagnóstico foi completamente equivocado. Teresa sofreu tantos horrores nas mãos da curandeira que o pai decidiu levá-la de volta para casa. A situação dela era uma lástima: os ataques do coração eram tão terríveis que muitos pensavam que ela estivesse com a doença da raiva. Por outro lado, os nervos se encolhiam, acarretando dores intoleráveis da cabeça aos pés: “Aquele tormento me fez ficar encolhida, como se fosse um novelo, incapaz de mover os braços, os pés, as mãos e a cabeça… Era difícil me tocarem, pois eu sentia tantas dores que não podia suportá-lo”.
Alguns dias depois, Teresa sofreu um forte paroxismo e ficou como morta. Todos, inclusive os médicos, atestavam que ela estava realmente morta. Todos, menos o pai, que permanecia de joelhos diante do suposto cadáver da filha e repetia chorando: “Esta filha não é para ser enterrada!” Os familiares se revezavam durante as noites no velório da irmã. Numa delas, coube ao seu irmão Lourenço, de vinte anos, fazer a sentinela. Rendido pelo cansaço e pelo sono, ele adormeceu, derrubando sobre a cama um castiçal com a vela acesa. Em pouco tempo, o fogo começou a queimar as almofadas e os lençóis; e teria queimado também a irmã, se o rapaz não tivesse despertado e alarmado a casa inteira.
O coma demorou quatro dias. O túmulo estava aberto, no mosteiro da Encarnação. Em algumas igrejas foram celebradas as exéquias. Chegaram até a colocar cera nos olhos da suposta defunta, conforme os costumes locais, e a vesti-la com uma mortalha.
No quinto dia, Teresa começou a dar sinais de vida: com alguma dificuldade, por conta da fina camada de cera, voltou a abrir os olhos, para a alegria de todos. Tão logo retornou à consciência, pediu para se confessar e receber a comunhão, no meio de abundantes lágrimas. Todavia, a cura não foi imediata e definitiva; foi antes um retorno lento à normalidade. Ela continuava totalmente imóvel e as dores não cessavam. Mesmo assim, pediu para retornar ao mosteiro. Somente oito meses depois é que começou a mover-se, a engatinhar como criança. Permaneceu paralítica por cerca de três anos. Ela atribui sua cura definitiva à proteção de São José, de quem era muito devota.
Dois fatos marcaram profundamente a alma de Teresa, trazendo um raio da luz divina para clarear as trevas daquela noite tão escura. O primeiro foi a conversão do pároco da vila de Becedas, aonde fora se tratar. Antes de começar o dito tratamento, ela procurou o sacerdote para fazer uma confissão. Seu hábito de monja, sua candura de consciência e seu entusiasmo pelas coisas de Deus, mexeram com a consciência do confessor, que havia tempo estava vivendo uma vida escandalosa com uma mulher. Para assombro da jovem freira, o confessor terminou se confessando com ela, pedindo-lhe ajuda para sair daquele embaraço. Graças às orações e ao testemunho de vida da carmelita, ele conseguiu realmente sair daquela situação incômoda. Tal experiência jamais se apagaria da mente de Teresa que, anos depois, ao fundar o Carmelo descalço, colocaria, como um dos objetivos da reforma teresiana, orar pelos sacerdotes.
O segundo fato refere-se à leitura de dois livros naqueles momentos cruciais: o Terceiro Abecedário, do franciscano Frei Francisco de Osuna, versando sobre a oração de recolhimento; e a história de Jó, comentada por São Gregório Magno: “Muito me serviu ter lido a história de Jó, nas Moralia de São Gregório”.
Durante toda aquela noite escura dos sentidos, Teresa pôde constatar a veracidade destas palavras de Jesus: “O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mc 14,38). A noite, no entanto, será bem mais escura quando acontecer o oposto: a carne está forte, mas o espírito não está pronto. Aí sim, será a noite escura passiva do espírito! Como veremos no próximo artigo.
As Noites Escuras de Santa Teresa (II)
No artigo anterior, comentei a “noite escura passiva dos sentidos”, em que Santa Teresa se debateu ao longo de três anos, logo após a sua profissão religiosa. Neste artigo, abordarei a “noite escura passiva do espírito”, que vai purificá-la por cerca de vinte anos. Teresa enfrentou com galhardia a noite escura dos sentidos porque, mesmo a carne estando fraca, o espírito estava pronto (cf. Mc 14,38). Agora, no entanto, o quadro se reverteu: a carne estava reabilitada, mas o espírito não estava pronto.
Durante os três anos de sua convalescência, mesmo imóvel na cama, Teresa começou a dar mostras de santidade no pequeno mundo da enfermaria do mosteiro da Encarnação. Do seu leito de dor, ela esparramava raios benéficos sobre as irmãs que a rodeavam. A cura, depois de três anos de paralisia, foi ruidosa, comovendo boa parte da população de Ávila. Todos queriam ouvir da sua boca a narração da sua cura, que ela própria considerava um milagre de São José.
As visitas cresciam a cada dia; e tanto as monjas como os próprios confessores convenciam Teresa a não rejeitá-las. É que, com elas, chegavam muitas esmolas para o mosteiro, que era pobre. Para Teresa, ao invés, elas causavam um transtorno, que a inquietava bastante: cada dia menos recolhimento e mais dispersão. E isso lhe soava como uma falta grave.
Ao sair da enfermaria, Teresa havia superado a enfermidade física, a paralisia do corpo; porém, começava a ficar doente da alma. Deixou-se envolver por uma ambígua familiaridade com parentes e amigos. Voltaram à tona e prevaleceram as antigas amizades, que ela havia penosamente abandonado. A falta de recolhimento gerou a desmotivação, levando-a a abandonar a oração: “foi a maior tentação que tive”.
Em resumo, Teresa passou por uma longa e dura tentação de mediocridade. E a luta para não sucumbir foi permeada de intermitências e novas crises. Ele mesma descreve sua situação ambígua: “E assim comecei, de passatempo em passatempo, de vaidade em vaidade, de ocasião em ocasião, a envolver-me tanto em tão grandes ocasiões e a estragar a alma em grandes vaidades que tinha vergonha de me aproximar de Deus. Contribuiu para isso o fato de que, como os pecados aumentaram, o gosto e a alegria da prática da virtude começaram a escassear. Eu via muito claramente, Senhor meu, que isso me faltava por eu faltar a vós”.
Essa espécie de ambiguidade entre ser e não ser foi o húmus onde germinou a crise de Teresa. Todavia, o pior era que ela se sentia só nessa batalha. Nem o mosteiro nem os confessores contribuíram para que ela cortasse o mal pela raiz. Ela experimentava o que é a solidão no meio da multidão.
Dentre as visitas e amizades, Teresa alude a uma determinada pessoa, com quem criou certa dependência afetiva, porém sem jamais insinuar se fosse homem ou mulher. Isso abriu campo para futuras indagações. Inúteis, todas elas. Encobriu a pessoa, não o fato: “Estando eu com uma pessoa que há pouco conhecera, percebi que o Senhor queria dar-me a entender que aquelas amizades não eram convenientes, alertando-me e esclarecendo sobre a minha grande cegueira. De fato, eis que vi Cristo representado diante de mim, com muito rigor, mostrando-me o quanto aquilo me pesava. Vi-o, com os olhos da alma, com mais clareza do que o poderia ter visto com os olhos do corpo. A sua imagem tornou-se tão indelével que até hoje, mais de vinte e seis anos depois, ainda tenho a sensação de vê-lo. Tomada de um profundo temor e de grande perturbação, não quis mais receber a pessoa com a qual me encontrava então”.
Todavia, com o passar do tempo, e com as justificativas que sua consciência fragilizada lhe apresentava (“Foi uma ilusão! Não há nada demais nisso!”), nossa Santa voltou atrás, confessando que “permaneceu vários anos nesse divertimento pestilento”.
Deus enviou-lhe outro sinal, bem diferente do primeiro: “Certa vez, entretida na companhia da mesma pessoa, vimos – e outras pessoas, que estavam ali, também o viram – uma espécie de sapo grande dirigir-se para nós, caminhando com uma rapidez que não é própria dessas criaturas. Não tenho como explicar o aparecimento, em pleno dia, de semelhante criatura naquele lugar… E o que isso me causou por certo envolvia mistério, jamais tendo saído da minha lembrança”.
Mesmo sem sair da lembrança, o impacto da visão do sapo durou pouco. As coisas retomaram seus lugares, continuando a subjugar o espírito de Teresa, que afirma sem rodeios: “nenhuma outra pessoa me trouxe tanta dissipação quanto essa, dada a afeição que eu nutria por ela”.
Deus mandou-lhe um terceiro recado, diferente dos anteriores: “Uma monja, minha parenta, antiga e grande serva de Deus, me alertou algumas vezes; eu, porém, não acreditava nela e ainda ficava desgostosa, pensando que ela se escandalizava sem motivo”.
Surgiu então um quarto sinal, ainda mais eloquente: a morte do seu pai, D. Alonso. “Enfrentei grandes trabalhos durante a sua doença. Creio tê-lo recompensado pelo que ele passara com as minhas”. A morte santa do velho comoveu-a profundamente. Teresa aproveitou a oportunidade para fazer uma boa confissão com o Padre Vicente Barrón, que era justamente o confessor de D. Alonso. Tal confissão foi um verdadeiro oásis no meio do deserto em que Teresa vivia. Todavia, o oásis não é o termo da caminhada; é apenas um ponto de parada; a caravana deve prosseguir. E Teresa anota que prosseguiu na caminhada, “caindo e levantando, levantando-me mal, pois voltava a cair”. E assim por mais dez anos de mediocridade.
Fazia-se necessário um quinto sinal para sacudir Teresa daquele torpor. “A minha alma já estava cansada e, embora quisesse, seus maus costumes não a deixavam descansar”. E o sinal aconteceu: um belo dia, Teresa entrou num determinado oratório e se deparou com uma imagem de Jesus na flagelação, todo coberto de chagas. O choque foi tremendo. Com o coração partido, ela lançou-se aos pés de Cristo, derramando muitas lágrimas. “Creio que lhe disse que não me levantaria dali enquanto a minha súplica não fosse atendida”. A partir de então, tudo começou a mudar.
Sim, tudo começou… Mas, das outras vezes, tudo também começara, e nada terminava! Teresa já não acreditava mais em si. Era preciso um xeque-mate, para concluir aquela lenga-lenga de quase duas décadas. E foi o que aconteceu pouco depois, com a leitura do livro “As Confissões”, de Santo Agostinho: “Quando cheguei à sua conversão e li que ele ouvira uma voz no jardim, senti ser o Senhor quem me falava, tamanha foi a dor do meu coração. Passei muito tempo chorando, com grande aflição e sofrimento… Glória a Deus que me deu vida para eu sair de uma morte tão mortal!”
Tanto o episódio da imagem de Cristo chagado como a leitura de Santo Agostinho aconteceram na quaresma do ano 1554, que Santa Teresa assinalou como o ano da sua conversão. Realmente, esse ano foi um marco na caminhada espiritual da grande Doutora da Igreja: encerrou o período ascético da sua vida e iniciou o período místico. Porém, isto será o assunto do meu próximo artigo. Se Deus quiser!