Festa do Senhor dos Passos em São Cristóvão/SE
Frei João Marcos Leal Silva Lima, O.Carm.1
Durante o fim de semana em que a Igreja celebra o Segundo Domingo da Quaresma, milhares de fiéis peregrinam, de perto ou de longe, até a quadricentenária cidade de São Cristóvão, no pequeno estado de Sergipe. Mas qual é a motivação de tantas pessoas para seguirem até esse destino — muitas vezes descalças, vestindo roxo ou portando outros símbolos penitenciais — em oração?
Esses peregrinos e penitentes dão continuidade a uma tradição iniciada há séculos na mesma cidade, quando uma imagem de Cristo foi encontrada no rio Paramopama e levada ao convento dos frades carmelitas, como relata o Anuário Sancristovense.
Esses acontecimentos, que remontam ao século XIX, deram origem à grande romaria que, durante três dias, transforma a Cidade Mãe de Sergipe, como é comumente chamada. Homens e mulheres, crianças e idosos dirigem-se à Igreja da Ordem Terceira do Carmo, que aqui recebe o título de Igreja do Senhor dos Passos, para cumprir suas promessas, trazendo fotos, representações de partes do corpo — em agradecimento por curas alcançadas — ou outros objetos. Após serem depositados aos pés da sagrada imagem ou em seu altar, esses ex-votos são encaminhados ao museu, tornando-se testemunhos dos milagres concedidos por Deus por meio desta santa devoção. O Senhor dos Passos, que caminha rumo ao Calvário, ensina-nos a viver a nossa própria subida ao monte, onde, pelo sacrifício, alcançaremos a glória eterna e a ressurreição n’Ele.
As celebrações para a grande festa são antecedidas pela oração do Ofício do Senhor dos Passos, que ocorre nas quatro sextas-feiras anteriores (incluindo a do fim de semana da romaria) e continuam nas três sextas-feiras seguintes, formando assim o simbólico número sete. Já na sexta-feira, os romeiros começam a chegar à cidade, muitos percorrendo a pé longas distâncias desde cidades próximas, como Lagarto, Itaporanga e Laranjeiras, ou em grandes peregrinações vindas de outros estados do Brasil. Em resposta a esse movimento, a Paróquia Nossa Senhora da Vitória e os frades carmelitas, em parceria com os frades capuchinhos residentes na capital, organizam uma caminhada de 22 km, saindo de Aracaju até a igreja onde se encontra a imagem milagrosa.
No sábado, a cidade se enche completamente de romeiros, muitos acolhidos pelos moradores locais e por casas religiosas, como o Salão Sagrada Família, localizado no Convento do Carmo. Contudo, o ponto alto do dia ocorre com a celebração da Santa Missa, seguida da Procissão do Encerro, em que a imagem do Cristo permanece velada, representando o momento de agonia que Nosso Senhor viveu no Horto das Oliveiras até a sua prisão. Nessa procissão, os fiéis costumam acender velas e depositá-las nas igrejas. Enquanto o coral entoa os Sete Passos, a procissão segue da Igreja dos Passos até a Igreja Matriz, o Santuário de Nossa Senhora da Vitória.
No domingo, as celebrações eucarísticas acontecem a todo momento, com missas sendo celebradas simultaneamente em diferentes locais, devido à grande quantidade de fiéis. Muitos aproveitam a ocasião para buscar o sacramento da confissão, abençoar seus objetos e passar por baixo dos dois andores em forma de cruz, seguindo um costume transmitido por seus antepassados.
A parte principal do dia é a Procissão do Encontro. A imagem do Senhor dos Passos — agora desvelada — sai da Matriz em direção à Praça São Francisco, enquanto a imagem de Nossa Senhora das Dores (Nossa Senhora da Soledade) parte da Igreja do Carmo, acompanhada pelos irmãos carmelitas. As duas imagens se encontram na praça para o grande Sermão do Encontro. Esse é um momento de profunda emoção para os romeiros, especialmente ao ouvirem o tradicional “Canto da Verônica”. Após o sermão, a procissão segue pelas ruas da cidade, entoando os Sete Passos, até encerrar-se com a Santa Missa na Praça Senhor dos Passos (Praça do Carmo). Ao final, muitos devotos do Bom Jesus dos Passos depositam suas vestes roxas diante da imagem, em sinal de gratidão pela graça alcançada, testemunhando a obra que Deus realizou em suas vidas.
Celebrar o Senhor dos Passos é muito mais do que organizar uma festa de padroeiro ou algo semelhante. Apesar de sua grandiosidade e do esforço organizacional envolvido, a romaria transcende os valores culturais e manifesta, sobretudo, a fé — expressa de maneira singular na simplicidade dos filhos de Deus. Celebrar o Senhor dos Passos é recordar a jornada de nosso Salvador Jesus Cristo. Vivendo essa experiência penitencial, conforme nos propõe o tempo quaresmal, podemos edificar nossa alma e nosso coração, abrindo-nos mais plenamente ao Evangelho, que nos diz:
“Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me” (Lc 9,23)












- Frei João Marcos é frade carmelita da Prov. de Pernambuco e é estudante de Teologia residente em Dublin/Irlanda. ↩︎