A vocação do Carmelo
No mês das vocações, trazemos um texto de Santa Edith Stein1 sobre a vocação do Carmelo a partir da figura do Profeta Elias. O (a) carmelita busca estar diante da face do Deus vivo, pelo qual abraça uma vida de pobreza, castidade e obediência. O profeta Elias é pai, guia e modelo para os (as) carmelitas de ontem e de hoje.
“Estar diante da face do Deus vivo, é esta a nossa vocação.”
Há alguns anos muito pouco saía de nosso silêncio conventual ao mundo exterior. Hoje a situação mudou. Se fala muito do Carmelo e isso se deve ao desejo de poder experimentar a vida que se leva detrás destes altos muros. Esta mudança se deve principalmente à grande santa de nosso tempo, que conquistou todo o mundo católico com uma surpreendente rapidez: Santa Teresa do Menino Jesus.
O que o Católico médio conhece do Carmelo? Que é uma Ordem estrita, talvez a mais estrita de todas as ordens penitentes, e que dela provém o santo presente da Mãe de Deus, o Escapulário marrom, que nos une a muitos fiéis de todo o mundo. A principal festa de nossa Ordem, a de Nossa Senhora do Carmo, no dia 16 de julho, é celebrada em toda a Igreja. A maioria também conhece, ao menos, o nome da “pequena” Teresa, Santa Teresinha, e da “grande” Teresa, tal como chamamos nossa Madre, que é geralmente considerada como fundadora dos Carmelitas Descalços.
Quem conhece um pouco mais a história da Igreja e da Ordem sabe também que veneramos o profeta Elias como nosso guia e pai, se bem que se contempla como uma “lenda” de não muita importância. Nós que vivemos no Carmelo e que cada dia rezamos ao nosso Santo Pai Elias, sabemos que ele não é uma vaga figura de uma pré-história sem importância. Seu espírito, através de uma tradição viva, age entre nós e determina nossa vida. Nossa Santa Madre rechaçou mui determinada- mente a afirmação de que ela tivesse fundado uma nova Ordem. Ela não quis nada mais que despertar no Carmelo o espírito original da Regra primitiva.
As primeiras palavras que na Escritura falam de nosso santo Pai Elias, nos oferecem com toda brevidade o essencial. Ele disse ao idólatra rei Acab: “Vive o Senhor Deus de Israel, perante cuja face estou. Não haverá nestes anos nem orvalho nem chuva, senão quando eu disser” (1Reis 17,1).

Estar diante da face do Deus vivo, é esta a nossa vocação. O santo profeta Elias nos deixou o exemplo disso. Ele esteve na presença de Deus, porque esse é o tesouro infinito pelo qual abandonou todos os bens terrenos. Ele não tinha casa; vivia ali onde o Senhor lhe indicava: na solidão junto à torrente do Carit, na casa da viúva de Sarepta em Sidom ou nas grutas do Carmelo. Sua veste era, como a do outro grande penitente e profeta, o Batista, uma pele de animal. A pele dos animais mortos recorda que também o corpo humano morre. Elias não conheceu a preocupação com o pão de cada dia. Vivia confiado à providência do Pai Celestial que o sustentava surpreendentemente: um corvo lhe proporcionava sua comida cotidiana no deserto; em Sarepta comia os alimentos da viúva piedosa milagrosamente multiplicados; antes de sua longa viagem ao Monte Santo, onde o Senhor devia aparecer-lhe, um anjo lhe fortalecia com o pão do céu. Deste modo, ele é para nós modelo da pobreza evangélica, que prometemos, e uma imagem autêntica do Salvador.
Elias está diante da face de Deus, pois ao Senhor pertence todo seu amor. Elias vive desprendido de toda relação humano-natural. Não sabemos nada sobre seus pais, se teve mulher ou filhos. Seus “familiares” são aqueles que, como ele, cumprem a vontade do Pai: Eliseu, a quem Deus pôs como seu seguidor, e os “filhos dos profetas”, que o seguem como seu guia. A glória de Deus é sua alegria; o zelo por seu serviço o consome: “Consumo-me de zelo pelo Senhor Deus dos Exércitos” (1Reis 19, 10.14). Estas palavras foram assumidas como lema no escudo da Ordem. Através de sua vida de penitência expiou os pecados de seu tempo. A grande desonra, que as idolatrias do povo causaram ao Senhor, lhe fazia sofrer tanto que desejava a morte. Deus o consolou como só consola os seus prediletos: Ele mesmo lhe aparece em um solitário monte, se revela na sua brisa suave depois da tempestade, e lhe anuncia sua vontade com palavras muito claras.
O profeta, que serve ao Senhor com um coração puro e desapegado de tudo o que é terreno, é também um modelo de obediência. Ele está diante da face de Deus como os anjos diante do Trono Eterno, à espera de suas indicações e disposto ao serviço. Outra vontade não tem senão a do seu Senhor. Quando Deus pede, ele se apresenta ao rei, sem temor, e lhe transmite as notícias desagradáveis que despertarão seu ódio. Se Deus assim o quer, se retira do país submergido na violência, porém retorna mesmo que o perigo não tenha desaparecido, e tudo por ordem de Deus.
Quem professa deste modo a fidelidade a Deus pode estar seguro da fidelidade divina. Pode falar “como alguém que tem poder”; pode abrir ou fechar o céu e pode pedir às águas que lhe deixem atravessá-las sem se molhar; pode fazer cair fogo do céu para que consuma sua oferenda; levar à execução a condenação dos inimigos de Deus e dar a um morto nova vida. Com todos os dons da graça que o Salvador prometeu aos seus, assim vemos dotado o seu precursor. E a maior das coroas lhes estava reservada: diante dos olhos do seu discípulo Eliseu, foi arrebatado por um carro de fogo e levado a um lugar misterioso, longe de todas as cidades dos homens. Segundo nos diz o livro do Apocalipse, ele voltará quando se aproximar o fim do mundo, para sofrer pelo Senhor o martírio na luta contra o Anticristo.
PARA REFLETIR:
(1) Qual é a vocação do Carmelo?
(2) Por que o (a) carmelita busca estar diante da face de Deus?
(3) Como entendo a frase: “Consumo-me de zelo pelo Senhor Deus dos Exércitos”?
- Edith Stein. In Obras Selectas, Editorial Monte Carmelo, Burgos, Espanha, p. 273. ↩︎