O seguimento do Filho de Deus feito homem
(Texto de Santa Edith Stein, O.CD)1
Cada um de nós talvez já tenha experimentado tal felicidade natalina. Mas, até aqui, o céu e a terra não se uniram. Também hoje a estrela de Belém é uma estrela na noite escura. Já, no segundo dia [da oitava do natal], a Igreja tira as vestes festivas e se reveste com a cor do sangue e, no quarto dia, de cores enlutadas. Estêvão, o protomártir, que primeiro seguiu o Senhor para a morte, e os santos inocentes, as criancinhas de Belém de Judá, mortas cruelmente por mãos de algozes, estão ao redor da criança no presépio. O que quer dizer isto? Onde está o júbilo das potências celestes? Onde está a tranquila bem-aventurança da noite santa? Onde está a paz na terra? “Paz na terra aos homens de boa vontade”. Mas, nem todos têm boa vontade.
Por isso, o Filho do Pai Eterno nasceu da glória celeste, pois o mistério do mal encobriu a terra com a escuridão.

Trevas cobriram a terra e Ele veio como a luz, que iluminou as trevas, mas as trevas não O conheceram. Àqueles que O acolheram, Ele trouxe a luz e a paz; a paz com o Pai do céu, a paz com todos que, com Ele, são filhos da luz e filhos do Pai do céu, e a profunda paz do coração; mas, não a paz com os filhos das trevas. Para eles, o Príncipe da paz não traz a paz e sim, a espada. Para eles o Senhor é a pedra de tropeço, contra quem atacam e na qual serão destruídos. Esta é uma grande e séria verdade, que não podemos encobrir por causa do encanto poético da criança no presépio. O mistério da encarnação e o mistério do mal vão juntos. Contra a luz que vem do alto, contrasta a noite do pecado e a torna escura e tenebrosa.
A criança no presépio estende as mãos e o seu sorriso parece dizer, o que mais tarde pronunciaram os lábios do Filho do Homem: “Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo”. E sobre aqueles que escutam o seu chamado é derramado o orvalho da graça pelas mãos do Menino e “são cumulados de uma grande alegria” os pobres pastores, aos quais nos campos de Belém o resplendor do céu e a voz do anjo anunciaram a Boa Nova e que responderam confiantes: “Vamos a Belém”, e se puseram a caminho; os reis, vindos do oriente longínquo seguiram, na mesma fé simples, a maravilhosa estrela.
Estas mãos dão e, ao mesmo tempo, cobram: vós, sábios, despojai-vos de vossa sabedoria e tornai-vos simples como crianças; vós, reis, entregai vossas coroas e vossos tesouros e inclinai-vos, humildemente, diante do Rei dos reis; aceitai, sem hesitação, os fardos, dores e pesares, exigidos pelo vosso serviço. De vós crianças, que não podeis ainda oferecer nada gratuitamente, as mãos do verdugo tiram a vossa tenra vida, antes dela ter propriamente começado: ela não pode servir melhor do que ser sacrificada ao Senhor da vida.
“Siga-me”, dessa maneira se expressaram as mãos do menino, como mais tarde repetirá com os lábios o Mestre. Assim foi dito ao discípulo, a quem o Senhor amava. E São João [celebrado no terceiro dia oitava do natal], o jovem com o coração puro de criança, seguia sem perguntas: Para onde? E para quê? Ele deixou a barca do pai e seguiu o Senhor em todos os caminhos até ao gólgota.
“Siga-me” – também entendeu o jovem Estêvão. Ele seguiu o Senhor na luta contra os poderes das trevas, a cegueira da descrença obstinada; ele deu testemunho do Senhor com sua palavra e com seu sangue; ele O seguiu também em seu Espírito, no Espírito do Amor, que combate contra o pecado, mas que ama o pecador, e ainda na morte intercede diante de Deus pelos assassinos.
São personagens de luz, que rodeiam o presépio: os santos tenros inocentes, os simples e fiéis pastores, os reis humildes, Estêvão, o discípulo entusiasmado e João, o discípulo predileto. Todos eles seguiram o chamado do Senhor. Em oposição a eles se encontram na noite da dureza e cegueira incompreensíveis os doutores da lei, que podem dar informações sobre o tempo e o lugar onde devia nascer o Salvador do mundo, mas não deduzem daí: “Vamos a Belém”; o rei Herodes pretende matar o Senhor da vida.
Diante da criança no presépio, os espíritos se dividem. Ele é o rei dos reis e o Senhor da vida e da morte. Ele fala o seu: “Siga-me”, e quem não for a seu favor, é contra Ele. Ele o diz também para nós e nos coloca diante da decisão entre luz e trevas.
PARA REFLEXÃO:
1) Em que aspectos da minha vida eu acolho a luz que vem de Cristo e em quais ainda permito que as trevas do pecado, do medo ou da resistência fechem meu coração?
2) Diante do convite “Siga-me”, de que preciso me despojar (seguranças, orgulho, saberes, poderes ou comodidades) para responder com a simplicidade e a confiança dos pastores e dos reis?
2) Quando a fé me conduz ao sofrimento, à renúncia ou ao testemunho exigente, aproximo-me mais da atitude de Estêvão e de João, ou busco evitar o seguimento radical que o presépio já anuncia?
- In: O mistério do Natal, Edusc, São Paulo, 1999 ↩︎









